comunicação infantil

Linguagem oral

Uma grande preocupação de pais e/ou familiares de crianças é: Quando as crianças começarão a falar?

De fato, a fala é um marco importante no desenvolvimento infantil, mas o que muitas vezes não percebemos é como a criança se comunica! Existe um processo até a criança começar a falar, há um caminho a ser percorrido. É importante observar a comunicação da criança com outras pessoas, sejam elas adultos ou também crianças, além da comunicação dos adultos com elas! Através da comunicação transmitimos mensagens para outras pessoas, expressamos ideias, pensamentos e nossa forma de ver e sentir o mundo. A fala, com certeza é uma forma de se comunicar, mas antes das tão esperadas primeiras palavras o bebê já percebe muito dos sons a sua volta e se expressa! Alguns estudos envolvendo pesquisas psicolinguísticas 1_3 já evidenciaram que bebês desde muito pequenos já apresentam capacidades para perceber e até mesmo processar os sons da fala e sons que são expostos no ambiente em que vivem e essa percepção e processamento é crucial para a aquisição da linguagem, ou seja, para a aquisição da língua de sua comunidade linguística. Alguns estudos em psicolinguística indicam que bebês já com 1 a 4 meses conseguem reconhecer a mesma vogal em diferentes ritmos e faladas por diferentes pessoas4 e dos 6 a 8 meses, bebês são capazes de utilizar informações prosódicas para diferenciar palavras que fazem parte de sua língua nativa de palavras que não fazem parte5. Aos 9 meses os bebês parecem indicar um conjunto de pistas (prosódicas, rítmicas e distribucionais) que são úteis para reconhecer o início e o final de frases (sentenças)6.Há também estudos com base linguística realizados no Brasil sobre o processamento de bebês e crianças. Em um desses trabalhos7,8 foi verificado que bebês de 9 a 12 meses são capazes de perceber no final dos verbos (nos afixos verbais), alterações fônicas (alterações nos fonemas) que afetam o padrão silábico do português. Essa percepção é considerada importante para a segmentação da fala pelo bebê e para a aquisição de sua língua.Aliás, todas essas informações são úteis para a criança segmentar a fala e adquirir a língua de sua comunidade linguística!! Interessante, né? É isso mesmo, muito antes de a criança falar, ela já percebe e processa muitas informações linguísticas relevantes.Para mais informações sobre estas pesquisas consulte:

🡥 A tese de Bagetti: https://www.maxwell.vrac.pucrio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=32959@1

🡥 Os trabalhos do  LAPAL https://www.lapal.letras.puc-rio.br

Então, também sabemos que até o primeiro ano de vida, que é quando espera-se que surjam as palavras, a criança já interage com os adultos, pelo movimento dos braços, choro, sequência de sons, risos e olhares. Essas habilidades são precursoras das habilidades de diálogo. Antes de se expressar verbalmente o bebê já compreende os contextos comunicativos que estão inseridos9. A partir dos 9 meses o bebê já possui intenção comunicativa, usando gestos e sons aleatórios para expressar seus desejos e aos 11 meses essa intenção fica mais perceptível com o surgimento do gesto de apontar10.

Nós nos comunicamos de forma complexa e única e tudo isso graças à linguagem! Ela é uma das funções mais nobres do ser humano, por meio dela é mediada a comunicação, a linguagem é a responsável pela nossa habilidade de captar, processar, organizar, receber e transmitir mensagens. Podemos dividi-la em um conceito amplo, isto é, relacionado com as interações sociais e a capacidade de expressão de pensamentos e ideias, e em um conceito estrito relacionado à aquisição da língua materna11. Por se tratar de uma habilidade altamente complexa, o desenvolvimento da linguagem está relacionado com diversos aspectos como os fatores maturacionais (aspectos neurobiológicos, sensoriais e perceptuais), fatores ambientais (estímulos verbais, interações com o ambiente e social), e fatores cognitivos (memória e atenção).12,13

A linguagem é adquirida de forma natural e espontânea pela interação entre a capacidade neurobiológica com os processos sociais vivenciados pela criança14. É com a família que ocorrem as primeiras trocas comunicativas no período de aprendizagem da linguagem. Quanto mais a criança conversar e ser exposta a situações de interação, mais ela compreende a linguagem e as regras da sua língua. Os primeiros anos de vida são essenciais para o desenvolvimento da linguagem e da fala. Na sua aquisição há influência de vários fatores, como o contexto social, familiar, histórico gestacional, capacidades cognitivas, biológicas, emocionais e auditivas15.

Dentre os fatores primordiais para a aquisição e desenvolvimento da linguagem de forma adequada destaca-se a audição. Por meio dela o bebê se habitua com a língua materna, cujo é exposta desde o nascimento. Assim, ele adquire os sons da fala e os organiza em palavras e frases conforme as regras da língua15. Desde dentro do útero, por volta da 26ª semana de gravidez, o bebê já consegue ouvir ruídos externos. No entanto, após o nascimento a habilidade auditiva continua a evoluir em razão da estimulação sonora16.

Em casos de perda auditiva, dependendo do tipo e do grau da perda e tempo de demora do diagnóstico, a criança poderá ter grandes impactos no desenvolvimento. Uma vez que, se o bebê até os três anos não receber estimulação de linguagem consistente, nunca terá seu pleno potencial de desenvolvimento linguístico alcançado17,18. O Conselho Regional de Fonoaudiologia – 6ª Região, elaborou o material abaixo sobre o desenvolvimento auditivo da criança, que descreve os principais marcos da audição.

Confira:


É sempre importante acompanhar o desenvolvimento da criança, principalmente nos primeiros anos de vida. A Caderneta de Saúde da Criança (CSC) é um documento interessante para acompanhar o desenvolvimento da criança do nascimento aos 9 anos de idade.

🡥 Acesse: https://www.saude.pr.gov.br/Pagina/Marcos-do-Desenvolvimento

Também sugerimos o site “Enciclopédia da criança” para informações sobre o desenvolvimento infantil e sobre brincadeiras.

🡥 Acesse: https://www.enciclopedia-crianca.com/

Linguagem escrita

Se engana quem pensa que a linguagem se resume apenas a fala. Ela é uma só e pode se apresentar de diferentes formas: falada e/ou escrita. Apesar das semelhanças entre a linguagem oral e a linguagem escrita elas são adquiridas de formas diferentes. A aquisição da fala/linguagem oral ocorre de forma natural, por outro lado, a aprendizagem da língua escrita depende do ensino formal que, normalmente, acontece na escola19.

A linguagem escrita permite interação social causando mudanças no meio e nas pessoas. O tempo todo estamos rodeados pela leitura e escrita, seja por um bilhete ou para usar as mais diversas tecnologias cada vez mais comuns no nosso dia a dia. A linguagem escrita é muito mais que um conteúdo prendido na escola, as habilidades de leitura e escrita são essenciais para estarmos inserido na nossa sociedade atual20.

Antes do 1º ano escolar, a criança já teve uma série de experiências e desenvolveu habilidades e técnicas que permitem a alfabetização. Você já teve contato com uma criança que fez rabiscos pela folha e disse ter escrito algo? Isso acontece muito! Esse registro, nada mais é que uma tentativa de imitar a escrita do adulto. Durante o desenvolvimento, a criança percebe que desenhar e escrever são diferentes, e começa a se aventurar com as letras, mesmo sem saber de fato escrever20.

Em um primeiro momento, as crianças tentam representar a fala e escrevem conforme falamos, por isso, ocorrem vários erros ortográficos. Depois, se dão conta de que por mais que existam semelhanças a escrita e a fala são independentes. Com o maior contato com a leitura e escrita, elas se apropriam das regras que regem a escrita e superam os erros causados por escrever do mesmo jeito que falamos21!

Já deu para perceber que a linguagem oral é muito importante para a alfabetização, não é mesmo?! Damos o nome de consciência fonológica (CF) a habilidade de pensarmos, refletirmos, julgarmos e manipularmos os sons da nossa língua. Ela é fundamental para aquisição da leitura e escrita, pois é através dela que a criança entende nosso o sistema alfabético de escrita. Dividimos a CF em níveis: o da sílaba, de rimas e aliteração (palavras que iniciam com o mesmo som) e o do fonema22.

Para escrevermos, além da consciência fonológica, é necessário que uma série de habilidades neuropsicológicas estejam trabalhando juntas! A atenção, por exemplo, é fundamental para a aprendizagem, ela é a “porta de entrada” para todas outras funções da cognição humana. Não menos importante, a memória desempenha função de armazenamento, recuperação e codificação, sendo primordial para a comunicação. Outras habilidades muito recrutadas para ler e escrever são as que compõem as Funções Executivas, compreendidas por um conjunto de processos cognitivos que permitem alcançar um objetivo previamente estabelecido23.

Ao ingressar no 1º ano espera-se que a criança já possua as habilidades linguísticas e cognitivas adequadas para a leitura e escrita, dando início a mais um desafio: a apropriação de um sistema com novas regras e que requer a integração de novas habilidades com as já adquiridas24.

Uma criança que já sabe ler e escrever se apropria do sistema alfabético de escrita da língua, se dá conta da diferença entre a fala e escrita, lê e escreve textos com autonomia, consegue produzir e compreender narrativas consistentes que atendem a diferentes propósitos. A aquisição da linguagem escrita é complexa, por isso, o ciclo de alfabetização ocorre nas séries iniciais do ensino fundamental e tem o tempo estimado de 3 anos25.

Vivemos em uma sociedade em que ler e escrever é fundamental para estarmos inseridos. Durante todo o tempo temos contato com textos, mesmo quando não estamos fazendo uma redação ou lendo um livro. Para pegarmos um ônibus, fazermos compras, escolhermos o que comer em uma lanchonete ou restaurante estamos em contato com o mundo escrito. Assim, a leitura e escrita vai muito além da alfabetização, isto é, período em que o sujeito está aprendendo a ler e escrever. As crianças antes mesmo da alfabetização já tem contato com a leitura e escrita em uso social, sendo portanto letradas26!

Assim, desde pequenininhas é importante que elas tenham contato com livros e histórias para que já sejam parte da nossa cultura letrada, além de desenvolver afeto pelo hábito da leitura27.

Alterações no percurso de aquisição da linguagem oral e escrita

Algumas crianças podem apresentar alterações na aquisição da linguagem oral e linguagem escrita justificadas ou não por questões no desenvolvimento, como perda auditiva, deficiência intelectual, distúrbio neurológicos ou déficits estruturais. Essas alterações aparecem no início da infância e podem gerar grandes prejuízos na vida dos pequenos, impactando suas relações com outras pessoas, dificuldades em se integrar em diferentes contextos sociais e grandes dificuldades acadêmicas28.

Existem algumas alterações que podem ser consideradas transitórias, como por exemplo atrasos simples de linguagem ou dificuldades de aprendizagem. Mesmo suspeitando dessas alterações, a família deve procurar um(a) fonoaudiólogo(a) para avaliação e acompanhamento. Existem, outras alterações que ocorrem durante a vida do indivíduo, sendo consideradas permanentes. Neste caso também é imprescindível um olhar e uma avaliação de um profissional que trabalhe com linguagem infantil qualquer tipo de alteração precisa de atenção, o quanto antes o (a) fonoaudiólogo(a) for procurado melhor o prognóstico da criança, isto é, melhor sua evolução!

O fonoaudiólogo é o profissional adequado para avaliar, diagnosticar e intervir em qualquer desordem da comunicação. A linguagem é fundamental para nossa vida em sociedade, por meio dela nos comunicamos, fazemos amigos, estudamos, trabalhamos… enfim, temos todas as interações sociais!

Dificuldades na aquisição da linguagem podem impactar no estabelecimento de relações, na aprendizagem da leitura e escrita e serem indicativos de outras questões mais globais do desenvolvimento. Não se engane e não espere! Existem parâmetros de referência relacionados ao desenvolvimento de linguagem, cada criança tem seu tempo dentro desses parâmetros.

Não deixe de visitar em nosso site as sessões abaixo e, se surgir alguma dúvida, procure um fonoaudiólogo!

REFERÊNCIAS

1 – Morgan JL, Demuth K. Signal to syntax: An overview. In J.L. Morgan K, Demuth (Eds), Signal to syntax: Bootstrapping from speech to grammar in early acquisition, pp. 1–22. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates Inc., 1996.

2 – Hohne EA, Jusczyk PW. Two-month-old infants’ sensitivity to allophonic differences. Percept Psychophys. 1994 Dec;56(6):613-23.

3 – Jusczyk PW. The discovery of spoken language. Cambridge, Mass: The MIT Press, 1997.

4 – Jusczyk PW, Pisoni DB, Mullennix J. Some consequences of stimulus variability on speech processing by 2-month-old infants. Cognition. 1992 Jun;43(3):253-91.

5 – Kent RD, Miolo, G. Habilidades fonéticas no primeiro ano de vida. In: Fletcher, P., MacWhinney, B. (eds). Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

6 – Morgan JL, Saffran JR. Emerging integration of sequential and suprasegmental information in preverbal speech segmentation. Child Dev. 1995 Aug;66(4):911-36.

7 – Bagetti T. Um estudo experimental do processamento na interface fônica e da análise sintática inicial: o papel de elementos funcionais na aquisição da linguagem. Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; 2009.

8 – Bagetti T, Correa LMS. The early recognition of verb affixes: evidence from Portuguese. In: Danis, N.; Mesh, K.; Sung, H. (Ed.). BUCLD 35 Online Proceedings Supplement, 2011.

9 – Zorzi JL, Hage SRV. PROC – Protocolo de observação comportamental: avaliação de linguagem e aspectos cognitivos infantis. 1a ed. São José dos Campos (SP): Pulso Editorial; 2004

10 – Badin, Katia. Manual de Observação da Comunicação Social. CREFONO1. 2019.

11 – Corrêa LM, organizador. Aquisição da Linguagem e problemas do desenvolvimento linguístico. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; 2006.

12 – Hage SRV, Pinheiro LAC. Desenvolvimento típico de linguagem e a importância para a identificação de suas alterações na infância. In: Tratado de linguagem: perspectivas contemporâneas. Ribeirão Preto: Book Toy; 2017.

13 – Deliberato D. Linguagem, interação e comunicação: competências para o desenvolvimento da criança com deficiência não oralizada. In: Nunes LROP, Schirmer. Salas abertas: formação de professores e práticas pedagógicas em comunicação alternativa e ampliada nas salas de recurso multifuncionais [online]. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2017. p. 299-310.

14 – Borges LC, Salomão NMR. Aquisição da Linguagem: Considerações da Perspectiva da Interação Social Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(2), pp. 327-336

15 – Prates, LPCS; Martins, VO. Distúrbios da fala e da linguagem na infância. Revista Médica de Minas Gerais 2011; 21(4 Supl 1): S54-S60.

16 – Northern J, Downs, MP. Audição na infância. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

17 – Moretti CAM; Ribas A. Desenvolvimento de linguagem e sua relação com a perda auditiva. Tuiuti: Ciência e Cultura. Curitiba. 2016;52:83-95.

18 – Sobreira ACO, Capo BM, Santos TS, Gil D. Desenvolvimento de fala e linguagem na deficiência auditiva: relato de dois casos. Rev. CEFAC. 2015 Jan-Fev; 17(1):308-317

19 – Mousinho, R. Desenvolvimento da Leitura e Escrita e seus Transtornos. In: Goldfeld, M. Fundamentos em Lingugem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. p. 39 – 60.

20 – Bordignon LHC, Paim MM. O Processo De Aquisição Da Escrita Pela Criança: Dialogando Com Alexander Romanovich Luria In: 12º EDUCARE Congresso Nacional de Educação, 2015. PR, Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

21 – Zorzi JL. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In Maluf, M.I. (org.). Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006. p. 144-162.

22 – Sordi, C.Alfabetização e Consciência fonológica: considerações teóricas sobre sua relação com o sistema alfabético. Ens. Tecnol. R.2017; 1(1):.33-45.

23 – Pagliarin KC, Pereira N, Gonçalves HA, Fonseca RP. Linguagem, Atenção, Memórias e Funções Executivas: Interfaces à Luz da Neuropsicologia e Implicações para a Prática Clínica. In: Lamôica DAC, Britto DBO.Tratado de Linguagem: perspectivas contemporâneas: BookToy, 2017. p. 137-149.

24 – Germano DG, Pinheiro FH, Cunha VLO. Avaliação e intervenção das habilidades metalinguísticas. In: Capelline SA, Germano GD, Cunha VLO. TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM E TRANSTORNOS DE ATENÇÃO (da avaliação à intervenção). São José dos Campos: Editora Pulso, 2010, p. 35 – 48.

25 – Brasil. Ministério da educação. Secretaria de alfabetização. PNA política nacional de alfabetização/secretaria de alfabetização. – Brasília: MEC, SEALF, 2019. 54 p.

26 – Soares, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2017.

27 – Gabriel, R . Letramento, Alfabetização E Literacia: Um Olhar A Partir Da Ciência Da Leitura. Revista Prâksis. 2017; 2(14): 76-88.

28 – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM – 5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Skip to content